Viagem a Londres
Apenas como breve intróito, lamento dizer que não se tratou de uma viagem na verdadeira aceção da palavra. Não, não fui a Londres. Infelizmente não tenho fotografias para postar no Facebook junto da Tower Bridge, da Abadia de Westmisnter, do Big Ben, ou no meio de uma plateia a assistir a uma peça de teatro. Gostaria, naturalmente. Até porque é uma cidade que sempre admirei. Por tudo que ela comporta. Sobretudo por a considerar, na Europa, uma cidade verdadeiramente cosmopolita. Li, a propósito, que um qualquer dissidente cubano que teve a felicidade de viver muito tempo em Londres, teria escrito que a capital britânica refletia o mundo inteiro. Mesmo não tendo lá ido, confesso que concordo.
A minha viagem tem a ver com um acontecimento que acompanhei com alguma curiosidade, especialmente na imprensa escrita: a recente eleição de um muçulmano para mayor da cidade de Londres. Eu sei que isso já foi há alguns dias, mas mesmo assim, e porque não me pareceu que tivesse a atenção que efetivamente merecia na imprensa, pensei um pouco no assunto. Por outro lado, também não podemos olhar para os acontecimentos, apenas numa perspetiva de vedetização dos seus protagonistas.
De facto, a eleição de alguém, de origem muçulmana, para um cargo de grande responsabilidade política em plena Europa, num contexto mundial verdadeiramente adverso, dá que pensar. Com certeza que os londrinos não são destituídos de informação e de cultura. Por isso, mais admirável se torna o acontecimento.
Provavelmente também não se trata de um muçulmano qualquer. Sadiq Khan, assim se chama o vencedor, nasceu em Londres, sendo de origem paquistanesa e de família humilde. E, com certeza, não está ligado a fações radicais, nem acalentará a esperança de encontrar, no paraíso muçulmano, as setenta e duas (ou mais!) virgens! Estas (na sua pureza e candura) preferem aguardar a chegada triunfal dos paladinos do mal.
Pois bem, o tal senhor Sadik é alguém que apresentou, como candidato do partido trabalhista, um programa para a cidade de Londres, no qual os eleitores daquela grande cidade acreditaram (57% dos votantes), contra as propostas de Goldsmith, um conservador de origens aristocráticas e de poder económico, e que obteve 43% de votos na respetiva eleição.
Aqui, o importante, não é o só o facto de ser um muçulmano a candidatar-se a mayor de Londres; até podia ser um hinduísta ou outro de qualquer confissão religiosa ou nacionalidade. O que me parece digno de nota, é o significado da mensagem que o ato, em si, representa.
Em primeiro lugar, através da eleição de Sadiq Khan, Londres dá uma lição de cidadania mundial. Mesmo já tendo sido vítima de ataques terroristas perpetrados por radicais muçulmanos, e ainda que estejam bem vivos na nossa memória os ataques violentos a outras cidades por esse mundo fora e com origem no mesmo grupo radical muçulmano, a verdade é que os londrinos apostaram num indivíduo que professa a fé do islão. Ele próprio o assumiu publicamente.
Parece-me, em segundo lugar, que esta eleição merecia um maior impacto na imprensa nacional e internacional. Afinal, trata-se, penso, da demonstração por parte dos cidadãos de Londres, de que é possível conviver numa comunidade que respeite todos, independentemente das diferenças religiosas, culturais, sexuais ou outras. Emerge, assim, desta eleição, a afirmação de valores universais consubstanciados no exercício de uma cidadania global. Simultaneamente, a eleição de Sadiq, é um exemplo paradigmático de que não devemos olhar para os muçulmanos como se fossem todos uma bomba em potência prestes a explodir em qualquer lugar.
Vejo, em terceiro lugar, na eleição de Sadiq Khan, uma espécie de manifestação do Homo Globalis; da vitória do Homem sem fronteiras socioculturais ou, pelo menos, cada vez mais esbatidas. O caso de Barak Obama é, no essencial, e salvaguardando as devidas distâncias, muito parecido ao de Sadiq.
Concluiu-se, em quarto lugar, que da eleição daquele homem muçulmano não resultará uma onda de radicalismo e de violência. Os londrinos não estarão à espera, certamente, de que Sadik seja capaz de se aliar aos muçulmanos radicais para destruir os principais símbolos culturais e económicos de Londres. Numa das entrevistas, não deixa dúvidas: “Passei a vida toda a lutar contra o extremismo e o radicalismo…”. A sua eleição pode, em última instância, assumir uma dimensão pedagógica e ajudar a diminuir o poder de influência dos grupos fundamentalistas sobre as camadas sociais mais jovens.
Londres afirma, de forma categórica, os valores ocidentais face a uma fação de radicais muçulmanos para os quais nem sequer há valores. Foi uma grande “lição” dos londrinos a esses grupos extremistas (se é que eles recebem lições de alguém), ao permitirem que uma pessoa pertencente a uma minoria muçulmana tivesse a oportunidade de ascender, com base numa eleição democrática, a um cargo de grande responsabilidade.
Julgo, até, que outros países alegadamente democráticos, onde ocorrem casos frequentes de xenofobia, podem ver neste exemplo, a materialização de uma cultura aberta e tolerante e sem medo da diferença. Há um princípio basilar que se deveria impor como universal: não há culturas superiores nem inferiores, mas tão-somente, diferentes.
Assim, enquanto uns lutam por ideais estapafúrdios e sem qualquer respeito pela vida, outros acreditam, felizmente, que é possível a construção de um mundo mais humano, solidário e respeitador das diferenças. Um exemplo, no mínimo, interessante.
Jota Eme