OSHO: o GURU
Neste verão, especialmente marcado por acontecimentos dramáticos tais como os inúmeros incêndios no nosso país, o ataque hediondo dos terroristas na cidade de Barcelona, o tufão violento e destruidor nos EUA, as ameaças recorrentes de um tal Kim não sei das quantas da Coreia do Norte, veio-me parar às mãos um livro de um tal Osho, intitulado, “ Padres e Políticos – a máfia do espírito.”
Enquanto deambulava pela livraria à procura de possíveis leituras para férias, deparei-me com este livro que, confesso, me despertou curiosidade pelo título. Até aqui, só tinha ouvido falar do autor, não tendo lido qualquer obra sua. Osho, de origem indiana, morreu em 1990. Associava-o a uma espécie de guru, ligado a uma qualquer corrente de espiritualidade, mas desconhecendo, no essencial, as suas “propostas” de vida “autêntica”! Sim, porque estes gurus são sempre exemplos de vida autêntica. Basta que aprendamos a arte de meditação. A partir daí ficamos imunes a qualquer tipo de mal! E o mundo, levitado, torna-se um paraíso!
Imaginei-me, então, um aluno a quem a professora de português pediu para escolher um livro para ler durante as férias, e a partir dele fazer um resumo escrito. De preferência, crítico.
Iniciada a leitura, confesso que, numa primeira fase, fiquei um pouco deslumbrado. Não propriamente porque concordasse com os seus argumentos, mas sobretudo pela forma eloquente, convincente e humorística que ia assumindo a sua abordagem e/ou perspetiva, designadamente sobre a religião, os políticos, os padres (de qualquer crença), os psicólogos e psiquiatras, a demografia, o sexo, etc. Transversalmente, a meditação - a única religião verdadeira - emerge como o único caminho de salvação da humanidade.
Acontece que, pouco a pouco, o meu entusiamo inicial foi dando lugar a um misto de quase deceção e alguma surpresa. Expliquemo-nos.
Osho faz um ataque virulento às religiões tradicionais (Cristianismo, Maometanismo, Hinduísmo…) com o argumento de que todas, sem exceção, visam, desde a sua origem, a obediência, a subjugação, o medo. Ou seja: todas elas prometem um mundo melhor, um além superior e eterno, que para se merecer, exige a renúncia a este (mundo). Para tanto, as religiões inventaram uns intermediários entre Deus e os homens - os padres -, que não passam de uns oportunistas, usurpadores e parasitas que são obcecados com o poder, o prestígio e o dinheiro. E neste particular e último aspeto, compara-os aos políticos. Além disso, os padres são papagaios que se limitam a reproduzir mensagens (Bíblia, Corão…) carunchosas e escritas por homens “estúpidos” e “primitivos”. As religiões vêm fazendo crer aos homens, portanto, que não podem ser felizes neste mundo; têm de se conformar com a pobreza, com o seu infortúnio na doença, com o sofrimento, uma vez que os espera um mundo que os compensará, onde desaparecerão todos os tormentos terrenos. Uma estéril e enganadora esperança que, segundo Osho, serve exclusivamente de pretexto para que os padres mantenham a sua profissão, o seu negócio, como ele próprio também diz. Na base da manutenção das religiões está, segundo o guru, a renúncia como uma crença fundacional, que fundamenta e alimenta, em nome de Deus, a falsa esperança num mundo invisível, supostamente superior. Por outro lado, as religiões sustentadas na renúncia provocam comportamentos “desviantes” e violentos. Na perspetiva de Osho “ se Deus realmente existe, é ele o maior criminoso. Por criar um mundo com tanto ódio, fúria, raiva, violência…”.
Até aqui, nada de excecionalmente novo. Osho não é nada original. Nada. De um modo geral, os ateus (filósofos, psiquiatras, psicólogos…) disseram e dizem, no essencial, o mesmo. O denominador comum é: as religiões assentam num Deus inventado pelo homem para diminuir a sua angústia existencial, almejando, simultaneamente, por via Dele, a partilha das suas qualidades, supostamente num mundo celestial, perfeito. E isso não passa de uma mera ilusão. Portanto, Osho tem das religiões uma visão reducionista e profundamente ateísta.
Apenas a meditação resolveria todos os problemas da humanidade, erradicando por exemplo, padres, políticos, psicólogos e psiquiatras. O que é preciso é entregar o destino do mundo a pessoas que não sejam ambiciosas, que não tenham o complexo de inferioridade; que aprendam a cantar e a dançar; que se sintam felizes. Tal desiderato só se consegue pela meditação! De facto, estou mesmo a imaginar a humanidade, em uníssono, a cantar e a dançar, no trabalho, nos supermercados, nos funerais, nas férias, a fazer sexo, etc. Felicíssima, portanto. Basta, então, que aprendamos a arte de meditar, que nos libertará do complexo de inferioridade (responsável pela ambição, crimes, rancor, inveja…), espalhando o veio de “energia” positiva pela “Terra”! Boa, Osho!
O guru Osho propõe como alternativa às religiões “organizadas”, a arte da meditação – só esta merece o nome de religião. Por via desta conhecemos a nossa essência e conseguimos a autorrealização. Pela meditação conhecemos o pior e o melhor de nós, acabando por escolher a nossa verdadeira natureza profundamente bondosa. Em vez da fé suportada em princípios rígidos e fora de prazo defendidos pelas religiões, Osho propõe a meditação como via por excelência da busca da verdade; como via de conhecimento de si próprio. “ A meditação é luz interior”. Pela meditação, segundo o guru, libertamo-nos do passado, das ideias que nos foram incutidas especialmente pelas religiões e que são responsáveis por todos os males existentes no mundo. A mensagem deste guru é a de que, pela meditação, o homem passe a assumir as suas responsabilidades, libertando-se de um Deus omnipotente que pertence ao reino da ficção. Nesta matéria, nada de novo. Também Nietzsche, filósofo alemão, defendia que o homem devia ocupar o lugar que durante tanto tempo foi atribuído a Deus. O homem é o único criador. A máxima é: pela meditação, “ Podemos dar à luz um novo Homem.”
Certamente todos concordarão que nem sempre as religiões estiveram do lado certo, e que em nome delas se cometeram e ainda cometem atrocidades. É verdade. Todavia, temos de admitir que nas religiões há também pessoas que se destacam pela positiva, mostrando verdadeiro altruísmo e humanismo. E no que concerne em concreto ao cristianismo também é verdade que deu à humanidade princípios ético-morais universais e que não podem ser menosprezados.
Por isso, não faz sentido que Osho seja incivilizado ao ponto de designar o cristianismo de “estúpido” e de apelidar de “medíocres” as pessoas que seguem as religiões que mais não fazem do que perpetuar um negócio. Diz, por exemplo, que a “ religião de Gandhi não passa de religião das massas medíocres…”. Ninguém é obrigado, quando se pronuncia sobre determinados aspetos, ser politicamente correto. E Osho, neste âmbito, não o foi. Mas se, por um lado, não tem que ser politicamente correto, por outro, espera-se de uma pessoa que faz da arte de meditação a esperança da transformação da humanidade, que seja, no mínimo, respeitador da diferença, daqueles que não concordando com ele, seguem outros caminhos. Esperava-se deste “iluminado”, uma postura de “desdém civilizado”. Ou seja: assumir que não concorda, mas que respeita. Apenas podemos e/ou devemos sair deste registo quando estão em causa valores cruciais como a vida. Não podemos, por exemplo, ficar por uma mera postura de desdém civilizado com os terroristas que matam indiscriminadamente pessoas. Neste caso são legitimas outras atitudes e/ou ações.
A postura de Osho é fundamentalista. E isso é que é perigoso. Não me espanta que, como algumas notas biográficas referem, se tivesse autointitulado de Rajneesh “o senhor abençoado”! E mais tarde é que adotou o nome de Osho, que significa, ao que parece, “oceânico”. Enfim, extravagâncias de guru! Pura ficção!
A política também é particularmente objeto de desdém por parte deste espiritualista. Segundo ele, os políticos têm o complexo de inferioridade. Por isso, a sua ambição é o domínio, o poder, o prestígio; são semelhantes aos padres. Sinceramente, da minha parte, espero que nem todos tenham esse complexo. Embora, por vezes, quase me sinto tentado a concordar com o guru. Se calhar, infelizmente, muitos políticos até sofrem de dois complexos: de inferioridade enquanto não atingem o poder, e de superioridade quando estão instalados no poder! Talvez por uma questão de equilíbrio emocional! Mas o que propõe Osho para que os políticos ultrapassem o complexo de inferioridade? Simples: a meditação. Que se tornem meditadores, ou seja, que conheçam a “experiência do silêncio da existência, e a beleza deste planeta, e os frutos da existência. E deviam aprender a ser humildes e gratos.” Não seria nada mau se fizessem essa aprendizagem, digo eu. Mesmo que não fosse pela religião da meditação. Desculpe o meu ceticismo senhor Osho: mas, neste aspeto, bem pode esperar sentado! Deitado, de cócoras, como preferir! Ah! peço desculpa, esqueci-me que já morreu.
Um pouco mais a sério, há alguma razoabilidade e/ou sensatez no pensamento de Osho, quando disserta sobre o facto de os maiores políticos terem ficado reconhecidos na História por causa da guerra. Lembra os exemplos de Alexandre, Napoleão, Ivã, o Terrível, Bonaparte, Genghis Khan, Estaline, Hitler, Mussolini, Mao Tsé-Tung, Churchill, Ronald Reagan… Reportando-se à atualidade, diz: “ os políticos estão interessados em ter armas poderosas, porque sem armas nucleares eles nunca chegarão a ser heróis históricos.” Infelizmente há aqui algum fundamento nesta abordagem. O complexo de inferioridade pode chegar, de facto, até aqui.
Para Osho os padres e políticos estão unidos na mesma causa: os padres abençoam e protegem os políticos e estes protegem os padres. E dá exemplos como ao longo da História os papas foram abençoando os ditadores. Curiosamente, ele próprio abençoou Indira Gandhi por achar que, dos políticos, era a menos política. Seja lá o que Osho queira dizer, Indira Gandhi foi primeira ministra da Índia, chegou a impor um estado de emergência no seu país e, nesse contexto, mandou prender diversos opositores políticos. Portanto, um simples disparate de Osho.
Existe outra particularidade em Osho, e que me surpreendeu: a sua admiração por Hitler. Condena, diz, os seus atos, mas admira-o. Uma pura contradição. Como é que um espiritualista, um mestre na arte da meditação e que a propõe como meio de salvação da humanidade, “apreciou” tanto Hitler. Porquê? Eis, de forma sumária, os argumentos: (i) Hitler era feio e foi objeto de várias rejeições na sociedade, o que potenciou o seu complexo de inferioridade (ii) a sua ação política era baseada na “sinceridade, integridade, coragem, ser-se direto”, embora tivesse usado essas qualidades de “forma errada”. Além disso, diz ainda, não era “hipócrita”. E acrescenta: “adorava o homem”. A pergunta que colocamos ao senhor Osho é esta: a arte da meditação dá para confundir os valores de “integridade”, “sinceridade”, “coragem”?! Uma contradição absurda. Estes valores são contrários à carnificina da qual Hitler foi o principal responsável. Por outro lado, Osho compara Hitler aos santos e a Gandhi. Sim, estabelece essa absurda afinidade, colocando Gandhi num patamar inferior ao de Hitler. Ambos promoveram a violência, só que Hitler, contrariamente a Gandhi, foi “íntegro”, “sincero”! Com certeza, senhor Osho! Já quanto à comparação do ditador com os santos também me parece absurda: à semelhança dos santos, Hitler levantava-se e deitava-se cedo, vivia numa cela subterrânea, só quebrou a sua condição de celibatário nos últimos anos de vida, etc… nem vale a pena continuar. Simplesmente descabido.
Pretensamente determinado a desmistificar Gandhi - o pacifista - conta uns episódios acerca da sua vida pessoal e familiar contrariando a ideia de um homem pacífico, ao mesmo tempo que lhe atribui a responsabilidade da violência ocorrida na Índia pouco depois de proclamada a independência, em 1947. Motivo? Simples: Gandhi teria, pela mensagem de não-violência e da desobediência civil para conseguir a independência da Índia dos ingleses, reprimido a violência nos indianos durante tanto tempo que tinha, mais tarde ou mais cedo, de explodir. Para quem desdenha dos psicólogos, é muito lesto a encontrar uma explicação psicológica: os indianos - por influência da filosofia de Gandhi - sublimaram a violência de tal forma que só podia, fatalmente, eclodir. Exatamente, Osho! Mas quem acredita nessa explicação?!
Outro assunto que merece atenção de Osho é o sexo. Mais uma vez, segundo ele, as religiões, mas também os pais e os professores foram e são responsáveis por o reprimir. O sexo para Osho deve ser um momento festivo onde as crianças devem participar. Assim, elas devem assistir desde tenra idade aos atos sexuais praticados pelos seus pais. Deste modo, farão uma aprendizagem natural do sexo, sem tabus nem secretismos. A propósito do momento festivo que deve ser a prática do sexo, Osho vai mais longe e propõe que os filhos aproveitarem para tocar, cantar, dançar, enquanto os pais fazem amor. Pois claro! Eu complementaria dizendo que o necessário é mesmo uma assistência entusiasmada e entusiasmante! Estou mesmo a imaginar as crianças a bater palmas ou, quem sabe, em determinados momentos, a bocejar! Com jeito, no decurso do ato, as crianças - sempre muito perspicazes e criativas - podem até dar umas dicas e/ou estratégias de ação, ou até, munidos dos seus telemóveis, tirar umas selfies para a posteridade! Por favor, senhor Osho!
O certo é que Osho acredita (ele que não é propriamente um homem de fé) que se as crianças forem habituadas, desde cedo, a presenciar a cópula dos pais se poderá evitar o abuso sexual; há pornografia e as crianças são abusadas, segundo diz, porque as religiões são opressivas, instilando nas suas mentes a ideia de que o sexo se deve fazer na escuridão e que, portanto, é algo pecaminoso, hediondo, etc., etc., etc…: Na verdade, Osho, o paladino da meditação, esquece-se que a espontaneidade, a naturalidade de certos atos não exigem, necessariamente, que sejam públicos ou semipúblicos. Será que os casos da prática pública de sexo que têm acontecido por aí nos jardins, nos passeios, nos autocarros, nos aviões, são discípulos ou seguidores de Osho?! Talvez! Só não me consta que esses atos tivessem sido acompanhados de alguma banda musical! Eu até entendo o gosto pelo risco, pela aventura, mas… convenhamos que nem tudo vale…
Quando Osho se reporta à explosão demográfica no mundo vê nela um problema mundial por culpa – não podia deixar de ser - das religiões. Com efeito, ao defenderem a proibição do uso de contracetivos, a população aumenta exponencialmente, especialmente nalgumas regiões do planeta, nomeadamente na Índia, vaticinando a morte de milhões de pessoas em virtude da fome.
Senhor Osho, em parte, nesta matéria, talvez concorde consigo. Digo em parte, porque para mim, o uso dos contracetivos pode ser apenas uma parte da solução que poderia ser um recurso razoavelmente evitável se, por exemplo, não houvesse tanta indiferença pela miséria socioeconómica, educacional e cultural de tantos povos e nações. Já pensou, por acaso, que se a riqueza mundial fosse bem gerida, se não houvesse tanta exploração dos mais fracos, se a gula pelos recursos naturais não fosse tão desregrada, se o mundo tivesse mais preocupações ético-sociais, se não houvesse investimentos astronómicos em armamento, se não fôssemos tão esbanjadores, talvez o planeta pudesse suportar mais uns milhões de pessoas? Pela minha parte, penso que seria uma solução mais sustentada e com efeitos mais positivos do que apenas o uso de contracetivos. Permita-se-me colocar uma questão, senhor Osho: será que a meditação - a única religião verdadeira para si - não produz explicações menos redutoras?! Eu sei que não é – de maneira alguma – o único a confinar a resolução do problema da sobrelotação do planeta ao uso de contracetivos. Mesmo que seja a maioria a defender essa ideia, isso não significa, necessariamente, que esteja correta.
Em síntese:
É claro que não fiz uma análise exaustiva ao livro de Osho. A professora não me pediu tanto! Mas percebe-se que o único caminho da salvação da humanidade é, para ele, a meditação. E apesar de a meditação prometer banir todos os males existentes no planeta, não se entende que Osho seja tão corrosivo na análise que faz às religiões e aos políticos, ao mesmo tempo que se assume como admirador de Hitler e crítico implacável de Gandhi. Esperava-se deste guru uma atitude de respeito pela diferença, o mesmo é dizer, de uma postura de desdém civilizado.
Fica a sensação que Osho não meditou o suficiente para perceber que a vida, o mundo, se constroem e têm mais encanto na diferença, seja pela via da meditação ou por outro caminho qualquer. Talvez não tivesse resistido ao que tanto criticou. Aproveitando-se da fragilidade das pessoas, também ele criou, pelo endeusamento da meditação, uma legião de seguidores, montando, inevitavelmente, um negócio.
Segundo se diz, com a doação de milionários, construiu uma cidade no deserto de Oregon, nos EUA, onde criou a comunidade “Rajneeshpuram”. Pelo que sei, não foram felizes. Foram repudiados pela comunidade local e regressaram à Índia. Aqui, e segundo consta na parte final do livro, existe “o Retiro Internacional de Meditação Osho”. Esclarece-se, também, que o espaço destinado a esse retiro, “ Oferece alojamento a um número ilimitado de visitantes, e nas imediações existe uma grande variedade de hotéis e apartamentos privados, para estadas curtas ou prolongadas (…) no retiro existem ainda cafés e restaurantes.” Refere-se ainda o tipo de programas, “baseados na visão de Osho de um novo tipo de ser humano (…) inclui uma variedade de sessões (…) com temas como artes criativas, cuidados de saúde holísticos (…) lazer Zen, problemas de relações intrapessoais…”
O livro deveria, já agora, finalizar mais ou menos desta forma: seja bem-vindo a um mundo novo! Aqui todos os seus problemas desaparecerão. Basta que privilegie o silêncio e aprenda a cantar e a dançar por toda a sua vida. E não se esqueça: se tem filhos deixe que o observem, permitindo-lhes, de preferência, que cantem, dancem e toquem, enquanto faz amor com o seu cônjuge!
Por mim, Senhor Osho, vou trilhando o caminho da meditação baseada na tríade da interrogação, da dúvida e da crítica construtiva. Só não lhe posso prometer uma meditação muito profunda. Sabe a razão? Tenho receio de levitar muito alto! E como tenho vertigens, não convém. Que me diz?!
Jota Eme