O PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS VS. FALTA DE SENSATEZ
Confesso que me perturba um pouco, as notícias que têm vindo a lume, a propósito da ideia, na minha opinião, estapafúrdia, da demolição do Padrão dos Descobrimentos.
Já não é a primeira vez, a nível nacional e internacional, que surgem vozes contra o património histórico sempre que, no entendimento de alguns, ele representa ou expressa ideias político-sociais colonialistas ou etnocêntricas.
Vamos tentar avançar por partes, focando-nos, especialmente, no caso do Padrão dos Descobrimentos.
A ideia de destruição desse monumento parece ter tido origem num deputado do Partido Socialista. Só referencio esta particularidade política por mera curiosidade, digamos assim. Podia ter vindo de um deputado do PCP, do PSD do BE, ou de outro qualquer. Não me interessa, aqui, particularmente neste assunto, a filiação partidária. Não alteraria a minha posição, por motivos meramente partidários. Há assuntos que devem ser suprapartidários; estar acima de qualquer ideologia. Este é um deles.
Toda a história de um povo, de uma nação tem, como todos sabemos, as suas virtualidades, mas também as suas vulnerabilidades. E Portugal, não é exceção. Certamente que o seu passado, nalguns períodos e/ou circunstâncias podia não ter sido, pelo menos para alguns, digno de orgulho. Posso admiti-lo também.
Acontece com os países, aquilo que, de algum modo, acontece com cada um de nós: na nossa história de vida, todos temos atitudes louváveis e atitudes mais ou menos censuráveis. No entanto, sob pena de perdermos o nosso equilíbrio emocional, a nossa especificidade como pessoas, é expectável que nos aceitemos como um todo; que sejamos capazes de nos reconhecermos nas nossas fraquezas e/ou defeitos e nas nossas virtudes.
O Padrão dos Descobrimentos invoca ou personifica, segundo alguns, de forma ostentativa e provocatória, a nossa mentalidade colonialista; expressa a superioridade de um povo comparativamente a outros (colonizados); espelha uma mentalidade racista e discriminatória. E numa lógica apressada, infere-se, a partir daquelas premissas, que daquele monumento, qual templo de Jerusalém ameaçado por Jesus Cristo, não deve restar pedra sobre pedra!
Perdoe-se-me a franqueza: aqueles que preconizam a destruição do monumento em causa e de outros semelhantes, resulta de uma mentalidade de tendência fundamentalista, irracional e nada democrática; até, dir-se-ia mesmo, ridícula.
Com efeito, a via da destruição cega de monumentos ou de outros símbolos que nos transportam para um passado menos positivo da nossa história, não é, com toda a certeza, o melhor caminho para, de forma pacífica, questionarmos e refletirmos sobre esse nosso legado.
Podemos e devemos levar a cabo uma pedagogia de desconstrução e de interrogação de determinada mentalidade, que, num determinado contexto histórico, se julgou superior em termos socioculturais. Muito bem. No entanto, parece me contraproducente e revelador da falta de sensatez, pretendermos fazer a catarse de um passado colonialista, através de atos terroristas de destruição e de negação de uma cultura que, para o melhor e para o pior, é indissociável do nosso passado, é constitutiva da História.
Se insistirmos na via da destruição do património de uma parte da nossa história, é legítimo que nos perguntemos, o que distingue, afinal, na sua essência, aqueles que a preconizam ou defendem, dos grupos de terroristas que, através da barbárie das suas ações destruíram o património da humanidade, de uma riqueza cultural incalculável, em países como a Síria ou o Iraque? Dir-se-á que é um exagero a comparação. Eu diria que não.
Por outro lado, é necessário, na minha modesta opinião, perceber e aceitar um princípio basilar: não há culturas superiores, nem inferiores; o que existe, são culturas diferentes. Sem a aceitação deste princípio, este sim, verdadeiramente democrático, haverá sempre colonizadores e colonizados, dominadores e dominados, exploradores e explorados, homens superiores e homens inferiores; os destruidores e os destruídos.
Optemos, por isso, por difundir o discurso, mas sobretudo a prática, de uma pedagogia do erro: reconhecê-lo, assumindo que falhámos, comprometendo-nos, simultaneamente, de forma convicta, a fazer melhor. Essa é aprendizagem que revela humildade e verdadeiro espírito democrático. Não há mal nenhum que o erro seja ainda visível, esteja aí, na sua expressão física ou material; está presente, para, pedagogicamente, nos lembrar um pouco da nossa história, mesmo que nem sempre nos possamos orgulhar dela. Mais nada. A História deve ser assumida em todas as suas dimensões.
Se adentrarmos um pouco mais na história do nosso país, com uma visão de pendor exterminador, onde iremos, então, parar?! Receamos que, por este andar, ou seja, pela via da destruição de todos os símbolos que, de uma maneira ou de outra, nos ligue a um passado menos lisonjeiro, possamos correr o risco de nos vermos confrontados com o aparecimento de algum Pol Pot cá do burgo. E já temos fanáticos e candidatos a ditadores que cheguem!
Não precisamos da imposição, como Pol Pot fez no seu país (Camboja), de um “ano zero como marco para uma Revolução Cultural”, destruindo aleatoriamente tudo (incluindo pessoas) que estivesse ligado ao passado, que fosse considerado “inimigo da revolução”. Uma prática, como facilmente se induz, sanguinária e aberrante! Homens sensatos e civilizados repudiam, com toda a certeza, caminhos destes.
Infelizmente, continuamos a assistir a outras formas encapotadas e subtis de colonialismo. E não é destruindo monumentos que se combate; é, entendemos nós, insistindo numa cultura de cidadania global, a única capaz de promover, em todos e em cada um de nós, o respeito pelas diferenças e especificidades de todos os povos do mundo.
Em jeito de nota final, diríamos, ainda, que gostaríamos de ver os deputados e responsáveis pelo nosso país, mais preocupados com assuntos substanciais; concebendo e implementando estratégias inovadoras em prol do bem comum. É esta mudança cultural que urge fazer. Não é a da destruição dos monumentos! Vociferar alarvidades não se coaduna com o papel de um deputado nacional. O seu dever é, em termos gerais, participar, sob diversas formas, em iniciativas e/ou projetos que contribuam para o desenvolvimento do país e o bem-estar das pessoas.
Esperamos que, pelo menos alguns dos deputados nacionais, tenham vergonha de serem vistos aos olhos de todos nós, como meros deputados “de cu”, expressão usada por Eça de Queirós para classificar certos deputados do seu tempo, cujo registo de intervenção consistia em estarem sentados, levantando-se, apenas, para votar. Com esses deputados “não saímos da cepa torta”, como costuma dizer o povo. Nem sequer com a "ajuda" das “bazucas" europeias - um termo que, já agora, especialmente no contexto em que tem sido usado, abomino.
JOTA EME