AINDA SOBRE O CERTFICADO/PASSAPORTE DE VACINAÇÃO: SIM ou NÃO?!
Antes mesmo de falarmos do passaporte ou do certificado de vacinação, façamos uma pequena abordagem ao conhecimento científico. Sobretudo, porque o certificado de vacinação está relacionado, também, com fundamentos de natureza científica.
Os avanços científicos e tecnológicos suscitam, muitas vezes, diversas questões, nomeadamente de índole ética em resultado, especialmente, da sua aplicação e/ou utilização. E não é propriamente à ciência que compete refletir essas questões. Essa é uma tarefa da Ética, da Filosofia da Ciência, da Epistemologia.
Se enveredarmos por pautar a ação humana exclusivamente pela perspetiva científica, corremos sérios riscos de cair numa espécie de cientismo, ou seja, numa confiança cega e absoluta no conhecimento científico; como se fosse sagrado. Endeusar a ciência é esquecermos os seus obstáculos, os seus condicionalismos, as suas limitações, as suas incertezas, a sua incompletude.
A ciência não é uma religião; não está sustentada e/ou fundamentada em dogmas e/ou verdades absolutas, mas num conhecimento que se vai construindo, paulatinamente, numa aproximação à verdade. O conhecimento científico é sempre um conhecimento aproximado. Bachelard, um grande epistemólogo, diz que o conhecimento científico “projeta sempre algures sombras.” De facto, a verdade científica nunca é definitiva.
É importante que todos nós tenhamos consciência das principais caraterísticas da ciência, reconhecendo as suas limitações, sem pôr em causa a sua importância e/ou protagonismo nos vários progressos em prol da humanidade. Esta posição em relação à ciência, não deve ser confundida, portanto, com uma perspetiva negacionista. Pelo contrário, é, antes, uma posição sensata, esclarecida e crítica. E é por este caminho que devemos enveredar. Caso contrário, poderemos ter grandes deceções. E a nossa existência já tem deceções que cheguem!
Foquemo-nos, agora, então, no passaporte ou certificado da vacinação. Não vamos preocupar-nos em privilegiar um ou outro termo. No caso em apreço, podemos, indiferentemente, chamar lhe “passaporte” ou “certificado”.
Em primeiro lugar, dir-se-ia, que nada está, até ao momento, decidido. Pelo menos a nível da União Europeia. Com efeito, o facto de, na Europa, não se ter chegado ainda a um consenso, evidencia, por si só, que não estamos perante uma matéria pacífica, no que concerne ao certificado ou passaporte de vacinação.
Da minha reflexão, resulta, acima de tudo, algum ceticismo quanto à sua utilidade e consequente implementação. Ninguém dará muita importância ao que eu reflito, mas isso não é relevante. Felizmente, ao pensar por mim, exercito o pensamento, ao mesmo tempo que vou arrumando algumas ideias. A saúde mental de que tanto se fala hoje em dia, também passa, pelo menos para mim, por abrir a porta a uma espécie de bricolage da escrita. Só isso.
Bombardeados por uma parafernália de informação ou de pseudoinformação, torna-se cada vez mais difícil selecionar aquilo que, para cada um de nós, pode ser mais importante. Sinto necessidade, recorrendo, por vezes, à expressão escrita, de selecionar o que considero pertinente, significativo; quero continuar a fazer a aprendizagem da distinção entre o essencial e o acessório. Esta tarefa, por si só, chega para me ajudar a sentir melhor.
Assim, reforçando o que já se disse anteriormente, o passaporte ou o certificado de vacinação, levanta questões ético-morais merecedoras de particular atenção e/ou reflexão, para além de levantar outras de natureza científica, económica e política.
De repente, confesso que o certificado de vacinação (com as devidas diferenças, claro) me lembrou tempos da escravatura, em que, pela chamada carta de alforria, se declarava o homem escravo - com a permissão do seu senhor - um homem livre; no fundo, pela carta de alforria, atribuía-se um direito a alguém que nunca lhe deveria ser retirado: falamos da liberdade! A nossa liberdade, nomeadamente de livre circulação, por exemplo, não deve, a pretexto de ainda não estarmos vacinados, ou de não possuirmos um “passaporte” de vacinação, ser coartada.
Não esqueçamos, já agora, que as vacinas têm sido, infelizmente, em determinados casos e/ou circunstâncias, pretexto para algumas querelas políticas e comerciais entre determinados países, quando deveriam constituir uma oportunidade para gerar um consenso e empenho alargados rumo a uma solução em prol de toda a humanidade.
Dizem, alguns, para justificar a legitimidade da existência do certificado da vacinação, que sempre fomos vacinados, que sem determinadas vacinas não podíamos entrar em alguns países e, ainda, quando mais jovens, também nos exigiam vacinas para frequentar a escola. Sim, isso é verdade. Mas, no atual contexto, não é a mesma coisa. Definitivamente, não é. Agora, os critérios de vacinação não dependem propriamente da nossa vontade, ou de uma qualquer obrigação legal.
O certificado de vacinação pode, eventualmente, promover a discriminação: criar uma espécie de privilegiados que, por estarem supostamente imunizados, lograrão usufruir de regalias a que os não vacinados (por vontade própria, ou por outros motivos, como por exemplo, a dependência de determinados critérios) não têm acesso.
Em Israel, por exemplo, as pessoas que estão vacinadas já podem ter acesso a determinados eventos, nomeadamente de natureza cultural, a restaurantes e a outros serviços, podendo, inclusivamente, viajar para determinados países. O seu certificado de vacinação, em suporte digital, permite-lhes um regresso à “normalidade”, digamos assim. No entanto, esse privilégio ainda não é para todos. Estamos, assim, neste caso, perante uma decisão política que os israelitas, tanto quanto se sabe, aceitaram pacificamente.
Devíamos partir sempre de um princípio de elementar justiça: imunizar deve ser visto como um ato inclusivo e não discriminativo. Se generalizarmos o mesmo princípio aos países, sabemos como em alguns deles, todo o processo de vacinação está atrasadíssimo. Gera-se, neste caso, uma discriminação transnacional (havia, há pouco tempo, 130 países sem acesso a qualquer vacina).
Mesmo que reconheçamos mérito à ciência (e reconhecemos, com certeza), ainda não é possível garantir, cientificamente, que os imunizados não voltarão a ser contaminados ou não possam ser veículos de contaminação de outros. Ou seja: a imunidade vacinal e a duração dos seus efeitos, ainda projetam, no conhecimento científico, algumas sombras. Que eficácia têm as vacinas, afinal, na redução da transmissão do vírus? Por quanto tempo tem efeito a vacina? Sabemos? Infelizmente, ainda não. Ou seja: a ciência, até à presente data, ainda não consegue dar resposta cabal a essas dúvidas. Por outro lado, há, igualmente, as variantes do vírus que podem pôr em causa a eficácia da vacina. O Jornal Expresso de 5 de março, transcreve, a propósito, o que diz o imunologista Luís Delgado, em relação aos certificados de vacinação: “não fazem cientificamente sentido nenhum.”
Se, em última instância, o certificado de vacinação vier a ser implementado, seria sensato que não fossem dispensadas, complementarmente, as medidas higiénicas e sanitárias sobejamente conhecidas: uso de máscara, utilização de desinfetante e manutenção da distância social.
Percebe-se que queiramos, de forma o mais célere possível, tudo fazer em benefício da economia, designadamente em prol do setor do turismo. Em todo o caso, principalmente por imperativos éticos, isso não pode acontecer na base de uma estratégia discriminatória e de tanta incerteza científica quanto ao impacto e/ou eficácia da vacina na saúde pública.
Tenhamos, apesar de tudo, a esperança de que o certificado de vacinação, caso venha a ser implementado, não constitua motivo para introduzir, mais tarde, outros “certificados”, ou outros instrumentos em formato digital, visando, acima de tudo, um controlo ainda maior das nossas vidas; uma intromissão abusiva da nossa privacidade com interesse, quase sempre, meramente lucrativo.
Pelos fundamentos aqui expostos, não concordo com o certificado ou passaporte de vacinação. Muito menos estarei interessado em ser detentor de um certificado de “créditos sociais”, recolhidos por uma qualquer via tecnológico-digital ao serviço de uma empresa ou de um governo, e posteriormente utilizados para diversas finalidades. Isto é já visível, especialmente nalguns países de “tendência” ditatorial. No entanto, não se veja nesta possibilidade alargada a outros países ditos democráticos, mais uma teoria da conspiração! Especialmente nos últimos tempos, caiu-se no exagero de se considerar qualquer discordância e /ou desalinhamento com o que é genericamente aceite e está pacificamente integrado no sistema, como conspiracionismo! Essa pode, pelo menos nalguns casos, ser outra forma subtil de nos afastarem do direito e do dever do pensamento crítico.
JOTA EME