NOTAS BREVES
ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO PORTUGUESA
É assustador, de acordo com os dados revelados pelos Censos 21, ficarmos a saber que quase um quarto (23,4%) da população portuguesa tenha mais de 65 anos! Acresce que a população mais jovem também decresceu.
Portugal é considerado um dos países mais envelhecidos do mundo, só atrás do Japão e da Itália. Inclusivamente, estamos, dizem, próximos de ultrapassar a própria Itália.
Mas o problema não só esse. Os jovens portugueses emigram à procura de melhores condições de vida e de realização profissional, e a imigração também não é suficiente para responder aos nossos desafios económicos. Segundo notícias lidas recentemente, enquanto a Itália está com uma taxa de imigração na ordem dos 10%, nós ficamos pelos 5%. Muito pouco para as nossas necessidades e/ou exigências.
Está assim demonstrado que a imigração não é, como os xenófobos e racistas nos querem fazer crer, um problema, mas antes pelo contrário, uma solução não só económica, mas também social. Como muito bem alguém escrevia, se não aumentarmos substancialmente a taxa de natalidade e não soubermos acolher e integrar os imigrantes, caminhamos, a passos largos, para uma espécie de suicídio demográfico.
Este flagelo social especialmente ao nível da europa e, em concreto, de Portugal, mostra, também, que os nacionalismos tacanhos estão condenados ao fracasso, pois não percebem que as soluções, hoje, têm de ser transnacionais e verdadeiramente inclusivas; que é contraproducente defenderem-se os anti valores da discriminação, do racismo e da xenofobia. Além de antiéticos, são antidemocráticos e obstáculos ao desenvolvimento sustentado e sustentável da humanidade.
NEGACIONISMO OU RECUSA DO PENSAMENTO DIVERGENTE
Maria José Morgado dizia, numa entrevista ao “Público”, entre outras coisas interessantes sobre o nosso sistema judicial, que o negacionismo não existe. E foi aqui que eu me detive, sobretudo porque, há algum tempo, no meu bricolagedaescrita, tinha defendido, por outras palavras, esta ideia da antiga magistrada. Escrevi, a propósito, que o negacionismo é, muitas vezes, um pretexto para condicionar o espírito crítico, para desencorajar o pensamento divergente. E quando Maria José Morgado defende a ideia de que não há negacionismo, justifica dizendo que são meros “rótulos”. E, mais à frente, acrescenta: “…quando se fala de negacionismo, já é uma censura.” Não podia estar mais de acordo. Por vezes, alinhamos em slogans que têm a clara intencionalidade de nos fazer acreditar, acriticamente, em pseudoverdades.
COVID-19, VACINAS, CONHECIMENTO CIENTÍFICO E IMUNIDADE DE GRUPO
A pandemia, apesar de já durar há demasiado tempo, carece, ainda, quando abordada, de posições consensuais. E não sabemos se as irá conseguir! O caudal de informação e contrainformação é tão grande, que não conseguimos ter tempo de ponderar, selecionar e refletir as perspetivas, sobretudo as de natureza científica, com as quais vamos sendo confrontados.
Vem isto a propósito desta última variante da Covid-19, a Ómicron, sobre a qual ainda há muitas dúvidas, nomeadamente sobre os seus efeitos, mas também sobre o antídoto adequado, em termos de vacina. Ou seja: não há garantia científica, pelo menos por enquanto, de que uma 3.ª dose da vacina seja sinónimo de maior proteção, uma vez que, dizem alguns especialistas na matéria, perante uma nova variante, será necessário atualizar a vacina, o que parece que não é, ainda, o caso. Ou seja: à especificidade de uma variante deve corresponder uma vacina com características específicas ou adequadas a essa variante. Em linguagem mais simples, é mais ou menos isto.
O conhecimento científico, apesar dos seus avanços, ainda não tem, infelizmente, respostas concludentes e inequívocas para todas as nossas inquietações. Nesta e noutras matérias, naturalmente. Porquê? Porque as teorias científicas consideradas como válidas hoje, podem deixar de o ser amanhã, e assim sucessivamente. Por isso, devemos encarar o conhecimento científico como um conhecimento progressivo, aproximado (à verdade); nunca definitivo. Por vezes, esquecemo-nos dessa evidência.
Outro aspeto: a imunidade de grupo. Não deixemos que nos iludam. A imunidade de grupo tão apregoada no início da pandemia, só faz sentido se for perspetivada a nível mundial, global. Ora, enquanto parte significativa da população de determinados países, especialmente pertencentes aos continentes asiático e africano não forem, também, objeto de vacinação massiva, a esperança de se conseguir essa imunidade é vã. Afinal, a mobilidade das pessoas a nível intercontinental, para além de assumir proporções gigantescas, é fácil e rápida.
Importa, pois, acelerar o processo de vacinação por todo o mundo, contemplando os países mais pobres. Em África, por exemplo, por esta altura, apenas 0,8% da população está vacinada. Devido a exigências de condições técnicas na conservação das vacinas, será necessário que os países mais ricos, numa postura de verdadeira solidariedade, ajudem os mais carenciados a criar essas condições e, consequentemente, a agilizar o processo generalizado de inoculação dessas populações.
Tenhamos, também, a esperança de que as vacinas não se tornem, como por vezes somos levados a suspeitar, instrumentos políticos ou oportunidade de enriquecimento despudorado por parte de uma indústria que, já por si, movimenta valores monetários inusitados.
A DESCRUCIFICAÇÃO
É verdade que todos nós temos da religião uma determinada visão. Não raras vezes, ouvimos dizer frases do género: “eu cá tenho a minha religião”. Como se isso fosse da esfera subjetiva de cada um. E, de algum modo, isso é verdade.
No entanto, não é do conceito de religião que pretendo falar.
Esta nota vem a propósito das crónicas que o Frei Bento Domingos escreve no jornal - Público. De um modo geral, vou lendo e aprecio-as de forma muito particular. São leituras manifestamente sensatas e, o que não é muito vulgar em assuntos de fé, também não são radicalmente dogmáticas; a maior parte das vezes, são, até, profundamente críticas.
Chamou-me à atenção a última dessas crónicas, especificamente na parte onde se reportava à alegada “glorificação do sofrimento” por parte do Cristianismo.
Com efeito, há muita gente, especialmente alguns agnósticos e ateus, que têm do Cristianismo uma visão “sanguinária”; onde só se fala de sacrifícios e de sofrimento. E, se ficarmos ao nível do Antigo Testamento, essa convicção pode ser mais facilmente alimentada. Mas tudo não passará de uma visão reducionista do Cristianismo. Pelo menos, na minha perspetiva.
Frei Bento Domingos parece-me exímio a contrariar essa visão cruel do Cristianismo, quando afirma: «Quando se faz da cruz o símbolo do Cristianismo, esquece-se, muitas vezes, o essencial. Jesus nunca quis a cruz, nunca desejou o sofrimento. Pelo contrário, passou a vida a “descrucificar” as pessoas que eram vítimas de discriminação, de desprezo, de todas as formas de sofrimento e de marginalização […] Se perdeu a vida foi por nunca abdicar desta sua missão libertadora, a verdadeira vontade de Deus […] Quando se diz que Jesus aceitou a morte para cumprir a vontade de Deus isso é um supremo insulto a Jesus Cristo e ao seu Deus […] A vontade criadora e recriadora de Deus é de nunca desistir da alegria. É por isso que a cruz só pode ser o símbolo do Cristianismo mediante a Ressurreição, o triunfo sobre a cruz, sobre a morte. A primeira e última palavras pertencem à alegria.»
O recurso ao teólogo foi longo, mas julgo que foi perfeitamente apropriado para desmistificar um pouco essa ideia aterradora do Cristianismo. A minha intenção era apenas mostrar que, nesta matéria em particular, os seus argumentos são razoavelmente convincentes.
SOBRE A RESTITUIÇÃO DOS ARTEFACTOS ÀS EX-COLÓNIAS
Li uma notícia sobre a restituição dos artefactos às ex-colónias e isso provocou-me alguma indignação. Como assim? Perguntar-se-á. Diria que não foi tanto pela legitimidade de restituir o que eventualmente não nos pertence. Não, nada disso. Pelo contrário. Reconheço, sim, que deverá acontecer. Diz-se, aí, na tal notícia, que já outras nações, outrora colonizadoras como nós, também o fizeram. Corretíssimo, reagi eu, mais uma vez.
Mas, pensando um pouco melhor, talvez estejamos a ser injustos. Não tanto pela devolução dos artefactos, mas por esquecermos outros bens tão ou mais importantes do que os artefactos que deveriam ser devolvidos a esses países. E não estou a falar só das obrigações de Portugal. Estou a reportar-me ao dever de países como os EUA, a Rússia, a China e a própria Europa que deveriam devolver, também, outras riquezas.
Vejamos.
As ex-colónias portuguesas, especialmente Angola e Moçambique, à semelhança de outras colónias de outros países foram e ainda são "desapropriadas" de riquezas naturais como, por exemplo, ouro, diamantes, petróleo, floresta…, mantendo-se a esmagadora maioria da população no limiar da pobreza. Estas populações foram vergonhosa e despudoradamente roubadas. Devolvam-lhe, então, esses recursos! E, sobretudo, devolvam-lhe a dignidade, só possível na salvaguarda de direitos fundamentais: alimentação, habitação, saúde e justiça. Quando o principal procedimento dos países espoliadores for esse, então sim, darão cumprimento ao principal dever de restituição daquilo que verdadeiramente faz sentido.
Deixemo-nos de abordagens simplistas e falsamente humanistas ou justas. Ousemos, pelo contrário, ser mais corajosos na defesa de direitos fundamentais; sejamos mais cautelosos na distinção entre o essencial e o acessório.
TODOS, TODAS OU TODES?!
Diria que estamos a caminho de converter o bizarro, sem qualquer pudor e sem quase resistência, no normal.
A pretexto da inclusão, que quanto a mim, vem assumindo contornos extremados, conseguimos, paradoxalmente, o contrário. Ou seja: aqueles que não se enquadram na terminologia dita inclusiva, são marginalizados e considerados, ostensivamente, como uns trogloditas e preconceituosos. Sejamos, acima de tudo, sensatos. A inclusão não pode ser um pretexto para excluir os que têm opiniões diferentes; não pode assentar num manual de princípios ou teorias que questionem o que, na sua essência, condenam, ou seja, a exclusão. Nem a inclusão se faz apenas de mera cosmética a nível da linguagem.
A inclusão não deve ser tratada por cada um de nós a seu bel-prazer. Não posso, porque um grupo de pessoas resolve dizer me que agora já não se profere “todas”, nem “todos”, mas “todes”, tomar a decisão de aplicar, tout court, a receita!!
Uma professora Universitária dizia, numa entrevista concedida ao jornal -Público, que depois de os alunos a chamarem à atenção para o uso de determinado tipo de linguagem, passou a usar uma outra que garantisse a “inclusividade”. E deu o exemplo de que quando escrevia “emails de grupo”, ter passado a usar “todes”! Porque, diz ela, sabe que assim, “não ofende ninguém e incluo todos.”
Pois bem, na minha modesta opinião, talvez ainda tenhamos um longo caminho a percorrer para interiorizarmos um determinado tipo de linguagem que produza a convicção de que, com ela, garantiremos a autêntica inclusão.
Por enquanto, ainda tenho muitas dúvidas que a prioridade para construirmos a inclusão tenha de passar por uma “reciclagem” da linguagem. Imaginemos que alguém considera que não se sente incluído na expressão “todes”, porque assim, na sua perspetiva, não está salvaguardada a sua identidade?! Não estará no seu direito, pensar desse modo? Vamos catalogar a pessoa, por esse motivo, de xenófoba, racista, preconceituosa?!
A inclusão, não pode servir de pretexto para eliminar outras formas de pensar e outras identidades pessoais e culturais que fazem parte da diversidade da natureza humana. Incluir é, justamente, respeitar a diversidade. Não sei se o “todes” e outras expressões do género, respondem a esse desiderato.
Nesta matéria (reciclagem da linguagem) como noutras semelhantes, julgo que devemos, como dizia numa interessante expressão, Carlo Strenger (psicoanalista e filósofo), assumir uma espécie de “desdém civilizado”: “… uma maneira de coexistir, cooperar e conseguir respeito mútuo, enquanto seres humanos.”
Assumindo-nos todos como pertencentes à espécie do Homo Globalis, devemos contribuir, em tudo, para uma compreensão e aceitação do mundo e da vida, numa perspetiva mais consentânea com uma visão de tolerância das diferenças, sejam elas de que natureza forem. Não será esta a melhor atitude para promover e contribuir para uma inclusão mais pacífica e mais abrangente? Porque a inclusão não se promove com qualquer tipo de totalitarismo, incluindo o linguístico.
Jota Eme