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Bricolage da Escrita

Bricolage da Escrita

SOB O EFEITO DO SCROLL: CONECTADOS OU DESCONECTADOS?!

 

Cada vez mais a palavra “conectado” nos remete para ligações e/ou para interações através das redes sociais e das tecnologias da comunicação digital em geral. O mundo em que nos movemos emerge como realidade onde a fronteira entre o “online e o offline” é cada vez mais ténue.  

A chamada “internet das coisas” remete-nos para um mundo onde, paulatinamente, a dimensão virtual impera: a internet já não é apenas um sistema de comunicação que conecta pessoas e informação. É um sistema de controlo conector de veículos, dispositivos portáteis, aparelhos domésticos, drones, equipamento clínico […] O ciberespaço funde-se agora completamente, e por vezes de modo impercetível, com os espaços offline, esbatendo as fronteiras entre os mundos material e virtual (Laura Denardis , in The Internet in Everything).

Hoje, estar conectado significa, com a massificação da internet, estarmos, em tempo real, em permanente contacto com as coisas e com os nossos semelhantes; termos acesso a um vasto repertório de informação, quer do ponto de vista do conhecimento em geral, quer através de uma panóplia de assistentes pessoais tecnológicos que respondem a diversas necessidades e/ou desejos nossos.

Um dos exemplos paradigmáticos que surge como instrumento privilegiado de conetividade entre os seres humanos são as redes sociais. Caso para dizer, citando um dos títulos recentes de uma notícia de jornal, que fomos apanhados nas redes sociais.

Com efeito, o envolvimento nas redes sociais pode, nalguns casos, desconectar-nos (de nós e dos outros), ou seja, criar-nos uma inusitada dependência e levar a consequentes danos ao nível da nossa saúde mental que se podem manifestar, por exemplo, na inquietação e irritabilidade permanentes, bem como nos estados crescentes de ansiedade.  São vários os estudos das ciências comportamentais que nos têm vindo a alertar para os perigos abusivos das redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter), isto é, para os malefícios da dependência do ecrã tátil, para a “toxicodependência scroll”.  

Talvez a normalização do “vício físico do Scroll” condicione uma maior atenção e aprofundamento deste fenómeno, mesmo que, comprovadamente, sobretudo quando excessivo, mine o equilíbrio emocional dos utilizadores com graves consequências ao nível pessoal, profissional e social.

Quando imersos no ecrã tátil, sob a dependência online, as pessoas tendem para a procrastinação, sem critério, de diversas atividades e/ou rotinas do seu quotidiano, incluindo tarefas de índole profissional; têm menos tempo para as relações familiares, sociais e amizades, o que pode, com o tempo, aumentar substancialmente a sensação de angústia, de vazio existencial, de sensação interminável de carência.

A dependência das redes sociais (nalgumas situações, antissociais) que, até certo ponto, nos pode dar a sensação de prazer, de completude e de oportunidade fácil de estarmos conectados com os outros, resvala, quando se torna um comportamento compulsivo, para nos desconectarmos de nós mesmos e dos outros.

Tem-se registado, nos casos das pessoas que usam, descontroladamente, as redes sociais, quando têm períodos de abstinência, manifestações de comportamentos de irritabilidade, mau humor e estados de tristeza, configuradores de estados psicopatológicos semelhantes ao consumo excessivo de álcool. Há especialistas comportamentais que estabelecem uma analogia entre o vício das apps e o das drogas. De facto, mesmo analisada esta realidade à luz do senso comum, compreende-se bem o significado e alcance desse paralelismo.

Se queremos estar verdadeiramente conectados (não é necessário a rotura com as redes sociais), bastará substituir algum do tempo que lhe dedicamos, por mais conexões presencias com as pessoas, sejam amigos, conhecidos ou familiares; dispensar mais tempo para atividades físicas e sociais que contribuam para nos tornarem mais saudáveis do ponto de vista físico e psicológico; privilegiar, igualmente, a inatividade como tempo para nos deixarmos moldar pelas artes e pelas letras como era “habitual nos tempos da educação humanística” e menos “ pelos dispositivos do nosso meio ambiente digital” (Peter Sloterdijk, Entrevista in Revista Expresso, 2023).

O homem concretizará melhor o seu desiderato de ser feliz, conectar-se-á melhor consigo e com os outros, se  tiver possibilidades de realização da sua multidimensionalidade, ou seja, como um ser biopsicossociocultural. E não estamos a excluir a sua dimensão tecnológica e/ou digital, pois ela já está implícita na dimensão cultural.

Voltaremos, oportunamente, a este tema. Uma das questões que se nos coloca, agora, é: estaremos a entrar, pelo protagonismo que vêm assumindo as novas tecnologias e a inteligência artificial, na era “antropotécnica”? Quem criou este conceito e qual é, no essencial, o seu significado? Devemos ter medo da Inteligência Artificial (IA), recear “cenários apocalípticos” ou, pelo contrário, ver nela a esperança de grandes melhorias para a humanidade? Para alguns serão questões que têm respostas únicas e óbvias: uns verão a IA numa perspetiva alarmista e pessimista, outros tenderão a enaltecer apenas as suas virtudes. Penso que podemos fazer uma abordagem mais complexa que não dicotomize, nem simplifique este assunto.

Sobretudo para os que teimam em menosprezar o pensamento reflexivo e crítico, designadamente para os transumanistas, deixo uma mensagem, quanto a mim bem pertinente, do filósofo alemão Peter Sloterdijk, o qual, na entrevista já aludida neste texto, disse:  […] filosofa-se  graças a uma condição alérgica contra tudo o que está automatizado – mental, emocional e politicamente. A proposição central e última (e primeira) da filosofia é: “isto não pode ser assim tão simples”.

Sob a bandeira luzidia das respostas simplistas (não confundir com “simples”) aos diversos problemas, espreita, não raramente, a ditadura da verdade absoluta que é necessário desconstruir e desmistificar.

 

Jota Eme

 

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