SEM IDEIAS CLARAS E DISTINTAS
Péricles, um célebre estadista, líder democrático e uma das maiores personalidades políticas da Grécia Antiga, viveu no século V a.c. Este estadista grego enunciou quatro qualidades que deveriam ter os governantes: (i) ter ideias sobre o que convém fazer; (ii) saber explicá-las com clareza, em ordem a convencer os outros; (iii) Ser amante da cidade (diríamos, hoje, do país, do mundo…); (iv) Não aceitar subornos. É caso para dizer que esta mensagem, designemo-la assim, é atualíssima.
Num período em que decorre a campanha política para as eleições legislativas, é manifesto o discurso genericamente confrangedor dos putativos candidatos a primeiro-ministro de Portugal. Sem exceção, atrever-me-ia, ainda, a acrescentar. As qualidades, concretamente, as três primeiras, que Péricles exige aos governantes, não são, hoje, pelo menos no essencial, visíveis.
Continuamos a assistir a discursos globalmente imbuídos de retórica e sem conteúdo, não se percebendo quais são, objetivamente, as melhores ideias e/ou respostas aos grandes desafios do país, mas também da europa e do mundo. Enumeremos, a este respeito, alguns exemplos: a desertificação física de algumas zonas do país; a escassez de recursos, designadamente hídricos, como acontece no Alentejo e no Algarve; a ausência de uma boa e eficaz integração dos imigrantes; a incapacidade para, através de algumas iniciativas sociais, politicas e económicas, inverter a baixa taxa de natalidade; a falta de um claro reconhecimento, na prática, do papel do ensino superior, da ciência e da cultura no desenvolvimento do país; a ausência de uma estratégia concertada sobre setores vitais como a justiça, a saúde, a educação, o ambiente; a nível internacional, a inexistência de uma posição clara e inequívoca sobre o drama da violência e da guerra que grassa um pouco por várias regiões do mundo.
O que sabemos nós, afinal, sobre o que pretendem fazer, objetiva e claramente, os nossos candidatos a governantes sobre os problemas principais a nível nacional e internacional, e que nos assolam e preocupam a todos nós? R. Descartes, um filósofo francês do Séc. XVII (mais conhecido pela sua famigerada máxima, “Penso logo existo”), defendia que o verdadeiro conhecimento deveria fundamentar-se em ideias claras e distintas! Inspirados pelo pensamento cartesiano, diríamos, também, que falta ao discurso político, clareza e distinção!
O que nos é dado a conhecer por aqueles que se prefiguram para assumir responsabilidades políticas, é um discurso confuso, sustentado na demagogia e nas promessas. Falta-lhes a segunda qualidade a que aludiu Péricles: a incapacidade de transmitir aos cidadãos - os seus naturais destinatários -, as ideias capazes de gerar neles confiança, a convicção de que há um caminho, um sentido, uma fundamentação credível nas suas propostas.
Todos sabemos que, uma vez atingido o poder pelos políticos, uma boa parte das promessas eleitorais ficarão por cumprir, alegadamente, por motivos circunstanciais. O que nos mantém céticos, desesperançados, inquietos e revoltados é, justamente, a falta de compromisso na resolução de grandes problemas estruturais e a ausência de uma política estratégica para o desenvolvimento sustentado do país.
O discurso demagógico marcado sobretudo pela tendência para agradar, no momento, aos eleitores é, infelizmente, o denominador comum entre os presumíveis candidatos a governar o nosso país. Não são evidentes, como seria expectável e desejável, propostas convincentes e portadoras de interesse e sentido social e comunitário. Ou seja: falta-lhes, talvez, a outra qualidade de que falava Péricles: “amar a cidade”, o que para nós, atualmente, poderíamos traduzir pela determinação em governar a favor do bem comum, do bem público, capaz de mitigar, simultaneamente, a sobrevalorização de uma conceção economicista e utilitarista da vida e do mundo. Aliás, é por esta via, que se poderá robustecer a democracia e condicionar o florescimento e êxito das políticas radicais de direita ou de esquerda.
Jota Eme