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Bricolage da Escrita

Bricolage da Escrita

LINHAS DA MINHA INDIGNAÇÃO

SOBRE A CIMEIRA DE GLASGOW

Indigna-me, cada vez mais, que continuemos a procrastinar, indefinidamente, soluções que urge tomar, evitando que as alterações climáticas arrastem consigo perigos que ameaçam todo o ecossistema e, consequentemente, a humanidade.

Vem isto a propósito não só das notícias que têm vindo recorrente e insistentemente a lume sobre as alterações climáticas, mas sobretudo sobre a famigerada 26.ª cimeira do G20, a realizar por estes dias, em Glasgow, na Escócia.

Especialmente do lado da ONU, nomeadamente através do seu Secretário-Geral, António Guterres, têm vindo insistentes apelos para que os países promovam ações concretas orientadas para um modelo de desenvolvimento que priorize as energias renováveis.

Espera-se que a cimeira naquela cidade da Escócia, represente um marco decisivo na assunção de compromissos verdadeiramente vinculativos, contribuindo para concretizar e consolidar ações que visem o efetivo cumprimento da meta estabelecida no Acordo de Paris de 12 de dezembro de 2015.

Com efeito, na 21.ª cimeira de Paris, estabeleceu-se como grande objetivo, diminuir a emissão de gases de efeitos de estufa e o aquecimento global, esperando-se que se consiga limitar o aumento de temperatura global em 2ºC até 2100. Por outro lado, consensualizou-se a necessidade de os países mais ricos ajudarem os mais pobres na adoção de energias renováveis.

Se não forem avançadas medidas concretas em detrimentos de discursos altissonantes, os riscos de catástrofes naturais e de doenças aumentará exponencialmente, fazendo perigar a própria sobrevivência da espécie humana.

Já se percebeu que as diversas catástrofes naturais a que temos vindo a assistir nos últimos tempos são bem a manifestação de que, de um modo geral, os países, especialmente alguns dos mais poluentes, não só desprezaram alguns dos compromissos assumidos na cimeira de Paris, como continuam a negligenciar os inúmeros avisos sustentados e/ou fundamentados cientificamente.

Voltando à recente cimeira de Glaslow, espera-se que não se fique, mais uma vez, num plano de meras intenções. Certamente que a ausência dos presidentes da China e da Rússia, já não augura, por si só, sucesso garantido.

A China, a Rússia, a Índia, os EUA, a Alemanha são, entre outros, os principais países responsáveis pelo aumento de gases de efeitos de estufa. A China mantém, inclusivamente, intenções de construir centrais de carvão, combustível com impacto especialmente negativo na qualidade do ar. Assim é difícil combater a crise climática.

Contra problemas globais, temos de encontrar soluções globais. Vivemos – recorrendo a uma expressão sobejamente conhecida - numa casa comum que exige colaboração e cooperação, assentes no pilar da interdependência. Definitivamente não há soluções egoística e exclusivamente nacionais. Veja-se o exemplo da Covid-19. Afinal, o que é preciso que aconteça mais, para fazer a aprendizagem de princípios tão básicos como este?!

Indigna-me que muitos países continuem nesta e noutras questões transnacionais, a assumirem uma certa miopia política, como se os problemas emergentes, nomeadamente o ambiental, fossem apenas para os outros resolverem, ou para “tratar” mais tarde…como se estes assuntos estivessem catalogados de “adiáveis”. Sabemos todos quais são os principais motivos que estão por detrás desta arrogante e desprezível atitude. Por outro lado, existe a infeliz tendência para negligenciar não só o presente, mas também o futuro, designadamente das próximas gerações. A pouca relevância dada  a uma  política  transgeracional é verdadeiramente assustadora!

Para concluir, aproveitaria, pela sua adequabilidade às linhas da minha indignação, as palavras do filósofo espanhol Daniel Innerarity, no seu livro - Uma Teoria da Democracia Complexa: “Há nas nossas práticas políticas uma mistura fatal de negação de problemas, postergação de soluções, falsas esperanças, persistência das rotinas, vetos mútuos e curtoprazismo que acaba por reduzir ao mínimo a sua capacidade transformadora.”

SOBRE O ALEGADO SALVADOR DE FRANÇA – ÉRIC ZEMMOUR

Indigna-me, e muito, que ganhe cada vez mais adeptos a corrente das soluções simplistas para resolver a complexidade e a profundidade dos problemas de dimensão mundial e/ou global.

Em França tem-se destacado um homem da extrema-direita que tem arrastado multidões apenas por defender, obstinadamente, que a origem de todos os males de França são os jovens muçulmanos. Representa, como dizem, e apenas por esse motivo, um “terramoto político”!

Em vez de se pensarem seriamente políticas nacionais e internacionais que promovam soluções visando a inclusão e inserção social e profissional dos imigrantes, opta-se por apregoar soluções sustentadas na sua exclusão, ao mesmo tempo que são catalogados de bárbaros que matam, roubam, violam, vivem à custa de subsídios e retiram o emprego aos nativos.  Este tipo de generalizações é potencialmente geradora de maiores conflitos e de mais violência.

Como é possível que um povo associado às “luzes”, que sempre “exportou” para o mundo, ao longo da sua história, grandes intelectuais, se deixe arrastar, encantar e convencer por alguém que vê nos jovens muçulmanos a exclusiva razão dos problemas franceses.  Diz-se, também, que o putativo candidato a presidente de França é contra a globalização, o liberalismo e a favor da supremacia branca. Também os seus livros são, surpreendentemente, best-seller no seu país.

Éric Zemmour, assim chama, é apenas mais um ilusionista político cujo truque das soluções simplistas, redutoras e fundamentalistas, continua a atrair sobretudo aqueles que recusam a mudança, que veem no outro, sobretudo se for estrangeiro, uma constante ameaça; um ilusionismo político que continua a fascinar e a seduzir os que sucumbem, facilmente, às pseudossoluções.   

Este homem, de origem judaica, tinha a obrigação (intelectual e moral), de saber que a subida de Hitler ao poder se fez contra os judeus, responsabilizando-os pelas “fraquezas” dos alemães. O que aconteceu a partir daí, já todos sabemos.

Pretenderá Zemmour atingir o poder político, procurando, estrategicamente, fazer daqueles muçulmanos, o bode expiatório para justificar o período especialmente conturbado em que vive o seu país?

A DESUMANIDADE

Indigna-me toda a situação do Afeganistão, sobretudo por continuar a não perceber como um bando de energúmenos consegue enfrentar, de forma inusitadamente ousada e tranquila, toda a comunidade internacional, provocando apenas fome, caos social e económico, miséria e desespero.

É francamente ridículo e incompreensível que numa sociedade tecnológica, onde se enaltece o progresso científico e a inteligência artificial, caraterísticas distintivas da modernidade e motivo de orgulho da espécie humana, se permita, simultaneamente, situações tão dramáticas e desumanas como a que está a acontecer naquele país.

Recentemente li que 95% da população está em situação de fome. Além disso, escasseiam os recursos materiais e humanos nos hospitais, e os médicos veem-se confrontados com a dramática decisão de saber quem deve viver ou pode morrer. As crianças, especialmente as raparigas, são obrigadas a abandonar a escola, não há emprego, perseguem-se indiscriminadamente as pessoas (todos os que manifestem atitudes e opiniões que sejam diferentes daqueles que ocupam o poder), os bens de primeira necessidade são uma raridade. 

Ali, naquele país, indignam-me aqueles imbecis que se arvoram donos de uma pretensa “verdade divina”, mas que, acima de tudo, maltratam a vida, desprezando ostensivamente a essencialidade da dignidade humana. Entretanto, a comunidade internacional parece impotente para travar tamanha barbárie.

Li e tomei nota do que escreveu, pouco antes de falecer, Jorge Sampaio: “A solidariedade não é facultativa, mas um dever que Resulta do Artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.” Determina esse artigo: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade."  

Por onde anda o exercício do dever da solidariedade, de fraternidade, para com o povo afegão e outros povos que são, literalmente, esmagados nos seus direitos fundamentais?! 

Jota Eme

 

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