“The Day After”
Por altura da década de 80 do século passado, nas salas de cinema, foi exibido o filme chamado “The day after”. Retratava, no fundo, o que aconteceria depois de uma guerra nuclear. Rememorando esse filme, retive uma frase que diz bem do que poderão ser as consequências de uma catástrofe dessa natureza: “ os vivos terão inveja dos mortos”.
Há algum tempo que as ameaças mútuas, especialmente entre a Coreia do Norte e os EUA, deixaram de ser faladas com regularidade. Com efeito, parece que as visitas de Trump pelo reino da Arábia Saudita, pelo médio oriente, pelo estado do Vaticano e por Bruxelas, desviaram a atenção para outros assuntos, alguns deles bastante caricatos. Quem não teve a oportunidade de ver (pode até ser mais uma daquelas montagens) Melania a recusar a mão de Donald Trump e este a retorquir ao estilo dele?!
Voltando aos assuntos sérios, a situação entre os EUA e a Coreia do Norte que causou, há pouco tempo, bastante tensão na região, incluindo na China, talvez esteja, infelizmente, longe do seu epílogo. Pelo que se vai sabendo, a Coreia do Norte continua com intenções de, num futuro próximo, realizar mais testes nucleares e balísticos, ignorando, em absoluto, tudo e todos. Quase parece que o “querido” líder dos norte-coreanos nasceu para testar misseis! A situação, agora menos mediatizada, permanece tensa e com certeza preocupante para todos nós. Afinal, o recurso a armas nucleares põe em causa, inclusive, a sobrevivência da espécie humana.
O que me surpreendeu, tanto ou mais do que o conflito particularmente latente entre aqueles dois países, foi o tipo de abordagem da maioria dos meios de comunicação social. Na altura de maior tensão, ou descreviam, de forma recorrente, o que supostamente se ia passando no “terreno” (pretenso sensacionalismo “estético”?!) como a movimentações de submarinos, porta-aviões a passear-se no mar, testes de misseis de um lado e do outro, paradas militares que ostentavam o alegado poderio bélico da Coreia do Norte, instalação de antimísseis por parte dos americanos na Coreia do Sul ou, então, relatavam profecias que vaticinavam - qual oráculo de Delfos - uma terceira guerra mundial, tendo sido o dia 13 de maio - o último das datas previsíveis - coincidente, como se sabe, com o centenário das chamadas aparições de Fátima. Felizmente, as profecias não se confirmaram.
Para além das datas fatídicas que se vão, de vez em quando, perfilando, ainda existe o chamado “Relógio do Juízo Final” ou do “Apocalipse” (uma espécie de oráculo mais “científico”!) que nunca esteve tão perto da red line, que é como quem diz da meia-noite, a hora que é suposto representar a destruição da humanidade, neste caso, por efeito de uma guerra nuclear. Ora, segundo se diz, um grupo de especialistas (não sei se cientistas em matéria atómica) decidiu avançar com os ponteiros do dito relógio, estando, agora, e na sequência dos últimos acontecimentos da era Trump, a escassos dois ou três minutos do desastre final. Ao que parece, desde 1947, em que começou por marcar sete minutos para a meia-noite, nunca estivemos – dizem – tão perto da meia-noite daquele sinistro e sentenciador relógio. Segundo dados colhidos no Google, os ponteiros já foram movidos vinte e três vezes! Depende, portanto, do grau de perigosidade em que se encontra o mundo. Esta é, basicamente, a explicação dada.
Ao mesmo tempo, pelo meio destas notas informativas, ainda há quem ouse (pasme-se!) ensinar-nos como nos podemos proteger de uma eventual guerra nuclear! Parece, até, que tudo não passaria, na eventualidade de acontecer tal cenário, de um breve e inofensivo sismo. Como é possível tamanha ignorância! Uma guerra nuclear, a acontecer, mesmo a uma escala meramente regional, pode significar o seu alastramento a todos os povos e nações e terá consequências que poderão, em última instância, exterminar o homem da face da Terra: não há qualquer fronteira ou bunker que nos proteja. Mas, por vezes, penso que as ameaças de uma guerra nuclear podem não passar de manobras para revitalizar algum setor económico em crise, eventualmente americano. E, por isso, mantenho algum otimismo.
Consta-se, talvez em resultado do medo que a comunicação social em geral vem instilando, que nos últimos tempos, aumentou exponencialmente a obsessão com a construção de sumptuosos bunkers, nomeadamente nos EUA, como se uma hecatombe nuclear fosse inevitável. Ora, a ter fundamento a noticia, certamente que muitas empresas agradecerão a entrada de muitos milhões. Um bunker luxuoso anti nuclear seguramente exigirá investimentos avultadíssimos. Na linha da promiscuidade entre a política e a economia, talvez os financiadores da campanha Trump estejam, agora, a fazer as suas exigências. Tudo a bem da economia, portanto. São certamente conjeturas, mas não deixarão de ter algum fundamento.
É também assustador pensar que o homem, autor de tantas descobertas excecionais em prol da humanidade, esteja, paradoxalmente, a aprimorar os meios da sua autodestruição; a tornar-se, usando a expressão do Papa Francisco, num “traficante da morte”, numa clara alusão à venda imparável e absurda de armamento. Ainda agora foi notícia o negócio de biliões de dólares em material bélico, envolvendo os EUA e a Arábia Saudita. Paradigmático de que a lógica da economia predomina sobre qualquer outra, é o facto de a Arabia Saudita estar nos lugares cimeiros dos países do mundo que mais desrespeita os direitos humanos. Inclusivamente – e porque representa uma das fações mais radicais do islamismo – é também acusado de instigar, financiar e proteger os grupos fundamentalistas islâmicos pelo mundo inteiro. Apesar dos interesses económicos e geoestratégicos dos EUA, é difícil entender como privilegia, na região, um país, a Arábia Saudita, conhecido também pela sua repugnante mentalidade misógina. Não será previsível que venha, mais tarde ou mais cedo, a virar-se contra os próprios EUA, ainda que seja, por enquanto, pelo menos aparentemente, um seu aliado e amigo?
A expressão “mãe de todas as bombas” reportando-se àquela que foi detonada pelos Estados Unidos no Afeganistão (13 de abril de 2017) contra, alegadamente, um grupo de terroristas, contém em si uma agressividade inumana. Sempre oportuno e atento ao que se vai passando no mundo, o Papa Francisco criticou aquela expressão. Talvez porque a palavra “mãe” está, neste caso, simbolicamente associada a destruição, quando ela deve simbolizar, acima de tudo, a vida; a mãe é geradora de vida, de amor, não de destruição, de ódio, de morte. E como se não bastasse, surgiu, um pouco mais tarde, da parte da Rússia, o “pai de todas as bombas” (o mais potente explosivo não nuclear), quase parecendo que estávamos perante uma disputa entre sociedades matriarcais e patriarcais. Parece tão ancestral e anacrónico! Se quisermos ser mais rigorosos, as expressões são, ainda, um insulto aos pais e às mães, aos homens e às mulheres.
Para que nunca venha a acontecer o “The Day After” apocalíptico, o Homem deve priorizar a paz. A imprensa internacional e as redes sociais, em vez de induzir o medo nas pessoas e de ficar por meras abordagens epidérmicas sobre as ameaças atuais à humanidade, devia fomentar campanhas de sensibilização dos líderes mundiais para que renunciem à produção de armamento nuclear ou a qualquer cogitação na sua utilização; ajudar a promover a cidadania global que pugne pela união dos países contra qualquer forma de guerra, atacando-se, por todos os meios, a pobreza, a agressão ao meio ambiente e a miséria social.
Não podemos, contudo, esquecer que a mensagem de paz começa no nosso quotidiano, com a ação individual, quando contribuímos para não provocar no outro o “the day after” apocalíptico, consubstanciado, por exemplo, na solidão, no medo, na tristeza, no desassossego existencial, etc. Basta que nos preocupemos, no dia-a-dia, em inverter a conduta pautada, muitas vezes, pelo “lançamento” de “misseis” de “raquitismo” solidário, do culto idolátrico dos bens materiais, de atitudes narcísicas; que privilegiemos e fomentemos uma cultura empática, de tolerância, de respeito e de proximidade, preferencialmente táctil, com todos os que nos rodeiam.
Jota Eme